Nesta obra vamos encontrar imagens inéditas e interessante escrita sobre a Estrada de Ferro Leopoldina, a qual reproduzimos abaixo: um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação "Impressões do Brazil no Seculo Vinte", editada em 1.913 por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd. e impressa na Inglaterra para circular na Republica dos Estados Unidos do Brazil e outros paizes estrangeiros, com 1.080 páginas e ricamente ilustrada (embora não identificando os autores das imagens).
Mantido no Arquivo Histórico de Cubatão/SP, o exemplar consultado tem no seu frontispício o carimbo da Associação Commercial de Santos, em 2 de maio de 1.918, e um registro de doação do volume.
A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright.
Fonte imagens/textos:
Estrada de Ferro Leopoldina:
1) Estação de Nova Friburgo; 2) A região próxima da estação de Barão de Aquino; 3) O Rio Paquequer em Mello Barreto; 4) A linha Rio Grande-Cantagalo; 5) Oficinas em Porto Novo
Foto publicada com o texto, página 222.
Companhia de Estrada de Ferro Leopoldina:
Seria difícil achar uma introdução mais adequada ao histórico desta estrada de ferro - a de maior quilometragem no Brasil - que a seguinte passagem do discurso do presidente da companhia aos acionistas, em 1911. O sr. Robert H. Benson diz: "Esta estrada de ferro foi salva da bancarrota e teve o seu crédito restaurado, pela formação da companhia inglesa em 1897, com a aprovação e apoio do governo. As condições a que se achavam reduzias as suas linhas, material rodante e estações eram deploráveis. Nada menos de 784 descarrilamentos se deram durante o primeiro ano; as mercadorias eram demoradas em trânsito e muitas vezes perdidas, e as ações judiciárias contra a companhia eram inúmeras. Estas dificuldades, umas após outras, foram todas superadas. Foram gastos cerca de 10 anos e mais de £6.000.000 de dinheiro inglês, para dar ao público brasileiro um serviço bom e seguro. No correr de 1907, esta companhia distribuiu um dividendo de 4%, havendo já a perspectiva de uma recompensa razoável, para os sacrifícios feitos. O governo brasileiro está empenhado em desenvolver uma zona vasta e rica, em benefício de seus habitantes, e este desenvolvimento não se pode realizar com sucesso, sem que sejam levados em consideração os diferentes interesses nele envolvidos, o vosso inclusive. Nos anos de agitação, que precederam 1900, quando o câmbio caiu de 29d. por mil-réis a 6d., fazendo com que um juro de 5% pagável em Londres fosse equivalente a 20% pagável no Brasil, o governo reconheceu-vos como credores ingleses da companhia, e por uma disposição especial do Congresso, ajudou o vosso comitê a tomar posse da propriedade e formar esta companhia, com direção inglesa, sob a vossa própria fiscalização. nós esperamos agora a mesma consideração, a mesma lisura de proceder, que em 1895-1897 mostrou o governo brasileiro".
A Estrada de Ferro Leopoldina tem hoje 1.585 milhas de linhas férreas, espalhadas em forma de leque meio aberto, tendo o Rio de Janeiro como ponto de convergência. As linhas extremas a Leste e Oeste estão entre si ligadas por diversos ramais. A área servida por esta rede é de cerca de 200.000 milhas quadradas, isto é, uma extensão de território consideravelmente maior que a França, dividida entre os três estados brasileiros de Rio de Janeiro, Minas e Espírito Santo. Além de transportar perto de 4.000.000 de passageiros, faz ainda a companhia o transporte de gêneros de consumo, que consistem em café, açúcar, milho, feijão e outros cereais, madeira, lenha e animais.
De um modo geral, considerando a extensão da região que corta, esta estrada de ferro é provavelmente uma das que mais dinheiro custou para construir-se e uma das linhas de mais dispendiosa exploração no mundo. Em regra, toda a região que a estrada atravessa é de natureza montanhosa; com o intuito de reduzir o capital a gastar com a construção, sem prestar atenção ao subseqüente custeio do tráfego de exploração - a linha foi construída nos vales e circundando os contrafortes das montanhas, de maneira que apresenta um aspecto muito tortuoso, havendo provavelmente maior extensão de linha em curvas que em retas e com declives, ora num sentido, ora noutro, quase que continuadamente. Não é necessário dizer que a Estrada de Ferro Leopoldina tem alguns dos mais belos cenários do mundo, em diversos pontos de suas linhas.
Estrada de Ferro Leopoldina: interior de carros-restaurante e de palestra.
Foto publicada com o texto, página 223.
As localidades em que a linha férrea tem que vencer importantes diferenças de nível, em distâncias relativamente curtas, são as seguintes:
Serra de Friburgo - A parte conhecida por seção da serra, na linha de Cantagalo, começa na estação da Boca do Mato, 81 quilômetros distante de Niterói, e se eleva de 856 metros numa distância de 12 quilômetros, até a estação Theodoro de Oliveira, a 1.078 metros acima do nível do mar. A rampa mais forte neste trecho é de 9% e as curvas mais apertadas são de 34 metros de raio. Nesta seção foi primitivamente usado o sistema de tração férrea Fell, empregando-se material proveniente da estrada de ferro do Mon Cenis; desde 1883, porém, trabalha esta seção com sistema comum por aderência, havendo entretanto um terceiro trilho entre os dois outros, para aplicação de um freio, centralmente colocado, nas locomotivas e nos carros, o qual abraça os dois lados deste trilho central. O gasto por fricção, nos blocos de ferro fundido, desse freio, é muito grande, tendo eles de ser substituídos depois de cada viagem serra abaixo. A bitola desta linha é de um metro, estabelecida com trilhos de aço de 66 bb., assentes sobre dormentes de madeira de lei. As locomotivas usadas nesta serra são de um tipo especial e em número de 8. Têm 6 rodas, tipo conjugado, cilindros de 18" x 20"; rodas de diâmetro de 39", uma base total em rodas de 9'8" e um peso, em ordem de marcha, de 42 toneladas. A carga máxima, em trem, que estas locomotivas podem puxar serra acima, é de 42 toneladas. A composição dos trens que descem a serra é limitada a 5 carros de passageiros ou a 8 pranchas, ou carros de mercadorias; isto é devido ao risco de virar o trem nas curvas e curvas reversas (curvas em S) de pequeno raio, caso fosse o freio central, em qualquer dos vagões, impropriamente aplicado. O freio central é operado por um corpo especial de guarda-freios, sendo cada veículo acompanhado por um guarda-freio no trânsito pela serra. Todas as locomotivas são providas de dois freios centrais, além do seu freio por vácuo Eemes, aplicado a todas as rodas conjugadas.
Serra de Petrópolis - Esta linha férrea com cremalheira forma uma seção da linha que liga o Rio a Petrópolis. A linha de cremalheira começa na Raiz da Serra, no km 16,354 da linha Grão Pará, e se eleva de 810 metros até o Alto da Serra, estação que fica a 841 metros acima do nível do mar, em uma distância de 6.104 quilômetros, sendo a rampa mais forte de 19% e o raio mínimo das curvas de 150 metros. O sistema usado nesta serra é o sistema de cremalheira Riggenback. Para a tração neste trecho existem 17 locomotivas de cremalheira, 7 capazes de levar serra acima uma carga de 28 toneladas em trens de passageiros e 35 toneladas em trens de mercadorias, e 10 capazes de levar cargas de 24 e 26, respectivamente, em trens de passageiros e trens de mercadorias. O peso das mais possantes destas máquinas é de 24 toneladas e os seus cilindros são de 13 3/1" x 19 11/16%. O tráfego de passageiros entre o Rio e Petrópolis é muito considerável: na seção da linha em cremalheira torna-se necessário dividir o trem em seções, que não excedam um peso bruto de 28 toneladas; foi portanto necessário empregar um tipo de carros para passageiros em que a totalidade da força de impulso da locomotiva fosse aproveitada, carregando ao mesmo tempo um número máximo de passageiros num peso mínimo de tara para cada carro. Os carros têm 42'10½ na linha dos pára-choques, 26' 7½" entre os centros dos trucks, com uma largura de 8'8½" e 8'11½" por fora das guarnições. A sua tara é de 13 toneladas e 7 quintais, ou 750 libras por passageiro; tem assentos para 40 passageiros, podendo os encostos destes ser voltados num e noutro sentido; são estofados em palhinha e ao mesmo tempo frescos e confortáveis. A estrutura inferior e o assoalho são construídos de pinho de Riga e madeira nacional, de modo a combinar a maior resistência com o menor peso possível. O interior dos carros tem um acabamento bonito e simples em madeira de carvalho.
Serra das Bicas - O alto desta serra fica situado no quilômetro 158 da linha da Serraria, um pouco além da estação de Bicas, e a linha desce deste ponto, que fica a uma altitude de 605 metros acima do nível do mar, a uma altitude de 336 metros em uma extensão de 16 quilômetros, com a rampa máxima de 2½ por cento e o raio mínimo para as curavas de 62 metros. O tráfego nesta serra é feito com o tipo comum de locomotivas usado no resto das linhas da companhia.
Serra de São Geraldo - A subida desta serra começa exatamente a partir da estação de São Geraldo, no quilômetro 404 da linha central de Porto Novo; a linha sobe em zigue-zague ao longo da encosta da montanha, sendo em muitos pontos possível avistar do trem a parte da linha já percorrida, em três diferentes níveis. O alto da serra é atingido no quilômetro 426, que fica a 741 metros acima do nível do mar, sendo de 368 metros a diferença de nível vencida na serra. A rampa máxima é de 2½% e o raio mínimo das curvas de 62 metros. O tráfego nesta serra é feito com o tipo comum de locomotivas, usado nas outras linhas.
Serra de Capivary (Palma) - Da estação da Palma, no quilômetro 296 da linha de Muriaé, que fica a 731 metros acima do nível do mar, esta linha sobre 195 metros em uma distância de 10 quilômetros, terminando a rampa de 2% em um túnel de 320 metros de comprimento. O raio mínimo das curvas é de 75 metros e o tráfego é feito com o tipo comum de locomotivas.
Prolongamento de Moniz Freire - Este importante trecho de 80 quilômetros ou 50 milhas, ligando o Rio de Janeiro à cidade de Vitória, havia já sido começado a construir do lado de Vitória, pelo governo, em direção a Mathilde, há cerca de 10 anos passados; sua construção, porém, estava abandonada. Foi recomeçada pela Leopoldina em janeiro de 1908 e aberta ao tráfego misto em 18 de julho de 1910. Partindo de Moniz Freire, 34 metros acima do nível do mar, a estrada gradualmente se eleva até a garganta Guiomar, a 786 metros de altitude, e novamente desce a 515 metros em Mathilde. Para atingir esses elevados níveis, a linha é obrigada a fazer várias curvas, em forma de S, de grande extensão e através floresta virgem. O raio mínimo das curvas é de 100 metros e sua rampa mais forte é de 2½%, isto, porém, só em uma extensão de 10 quilômetros, havendo entretanto 33 quilômetros em rampa de 2%. A linha se enrosca montanha acima, beirando precipícios; e as pontes, viadutos e túneis são em número considerável relativamente à sua extensão. O movimento total de terras nestas 50 milhas de linha férrea foi de 2¼ milhões de metros cúbicos, equivalentes a 28 metros cúbicos por metro de percurso. Esse movimento enorme dá uma idéia da magnitude desta obra, quando se sabe que em regra o movimento de erras previsto em construção de estradas de ferro é comumente de 10 metros cúbicos por metro de percurso; e mais ainda quando se nota que destes 2¼ milhões 130.000 metros cúbicos eram rocha granítica, não incluindo o enorme número de pedregulhos soltos que foi preciso remover em ameaçadores precipícios. Existem 5 viadutos em curva com vãos de 15 metros, uma ponte com 4 vãos de 30 metros e inumeráveis outras pontes e pontilhões com vãos variando de 5 a 20 metros, além dos pequenos pontilhões e canais para o escoamento das águas. Existem nesse trecho 5 túneis, com um comprimento total de 403 metros, um dos quais vara um morro de estrato curioso, tendo uma crosta de sílica pura, na forma de uma areia grossa, de um branco brilhante. É conhecido pelo nome de Morro do Sul. Há no trecho três estações: Mathilde, Guiomar e Virgínia. O período de dois anos atribuído à construção exigiu esforços muito grandes e trabalho contínuo noite e dia. Debaixo do ponto de vista estratégico, devido ao fato de ligar o porto do Rio com o porto de Vitória, tendo agora um bom e regular serviço de trens com carros-restaurantes e carros-dormitórios, esta linha é da maior importância.
Estrada de Ferro Leopoldina: 1, 2, 4, 7 e 8) Tipos de locomotivas e vagões; 3, 5 e 6) As oficinas em Porto Novo.
Foto publicada com o texto, página 224.